quinta-feira, 24 de outubro de 2013

LINGUAGEM: dom ou invenção?

DIFICULDADE DE APRENDIZAGEM


Falar é uma atividade essencialmente humana. Apesar disso, nosso corpo não foi criado com órgãos próprios para a fala. O tão propagado “aparelho fonador”, na realidade, não existe. Então, porque falamos?

Em certo momento da história da humanidade, um dos nossos ancestrais primitivos produziu acidentalmente um som vocal e se encantou com ele.


Como andavam em grupos, foi ouvido ou mostrou a proeza aos companheiros que igualmente se encantaram e tentaram reproduzi-lo. Não durou muito para que a novidade se espalhasse por toda a comunidade. Da mesma forma, outros sons foram criados, talvez como forma de disputa para saberem quem conseguia produzir um som diferente, mais bonito, mais alto ou mais longo. O fato é que aos poucos, um vasto repertório foi sendo criado e repetido por indivíduos de todas as idades numa espécie de jogo engraçado e divertido.

Esses sons passaram a ser úteis para a sobrevivência individual e da comunidade primitiva. Determinado som servia, por exemplo, para avisar aos demais da aproximação de um animal perigoso. Um som diferente avisava que uma comunidade inimiga disposta ao ataque se aproximava da região. Para isso, foi necessário que todos os membros de uma comunidade conhecessem cada som, identificassem o seu significado e o retransmitisse. E esses sons passaram a ser ensinados e repetidos constantemente.



Com a repetição exaustiva dos sons vocais, a região bucal foi sofrendo adaptações. Adaptações como o posicionamento da boca, da língua, da quantidade de ar que seria expelido em cada som, do aparecimento e abertura das cordas vocais. E cada uma destas adaptações provocavam outras no cérebro desses homens.

 

As adaptações e modificações que alteravam a estrutura cerebral. E o pequeno cérebro de nossos ancestrais passou a ganhar células novas e especializadas na produção dos sons. E com elas, passou a se expandir e a desenvolver novas funções. Assim, o corpo modificava-se geneticamente. Modificações que passaram a ser transmitidas aos descendentes por meio da hereditariedade. Por isso, levou milhares de anos para que todos pudessem ter a capacidade de produzir e reproduzir sons vocais.

As novas conquistas adaptativas e expansão cerebral levaram outros milhares de anos para se espalhar. O cérebro humano precisou se organizar e reorganizar bilhões de vezes para criar um centro especializado na produção de sons significativos, na capacidade de diferenciar um som de outro, de identificá-los e produzir outros em resposta ao primeiro. E depois de tanto trabalho cerebral surgem os pensamentos, a compreensão e novas áreas cerebrais especializadas nessas capacidades. E foi a hereditariedade quem transformou todas estas conquistas em uma capacidade biológica e própria da espécie humana. Essa capacidade chama-se “linguagem”.



Hoje, os humanos de qualquer canto do planeta nascem com a capacidade de produzir linguagem. Entende-se por linguagem a produção de pensamentos, a produção de sons combinados e cada vez mais complexos e a compreensão e entendimento das mensagens.

Mas, por ser uma capacidade biológica inventada pelo próprio homem, precisa ser desenvolvida em cada novo ser que nasce. E esse desenvolvimento depende, única e exclusivamente da aprendizagem.


Fonte:

FONSECA, Victor. “Psicomotricidade: filogênese, ontogênese e retrogênese”. Porto Alegre, Artmed, 1998.